sábado, 14 de novembro de 2009

mudar de linha

a chuva cai com a sonoridade de um regato a ferver suavemente. escondendo-me do frio debaixo das mantas caseiras na cama que me conhece desde a adolescência, o tempo parece recuar para dias de uma felicidade suave e inconsciente.

deixo o olhar soltar-se em redor, e não consigo evitar um sorriso: finalmente, tenho perto de mim mais livros do que aqueles que conseguirei ler até morrer, e mais séries de TV e documentários da National Geographic para visionar do que a vista conseguirá suportar até que finalmente os olhos se apaguem.

tenho ao meu lado todos os livros de Luis Sepúlveda que não estão em Lisboa, e apetece-me reler todos hoje.
agora.
da mesma forma que todas as gotas de chuva parecem querer cair de uma só vez, lá fora.

as lâmpadas vão tremeluzendo... tremeluzindo...? como se a chuva transformasse a electricidade em azeite, e as luzes não passassem de pequenas chamas subordinadas aos caprichos de uma brisa qualquer.

a noite não termina, e a vontade de resistir ao sono também não, e desisto de tentar compreender porque razão digo coisas - que desdigo em seguida -, como se não me compreendesse após tantos anos, e acabo por ter de aceitar que irei toda a vida desconhecer parte de mim, já que não sou um monolito incrustado numa parede... ...e sinto-me irmão de cada um das gotas de chuva que caem lá fora, sem saberem quem são mas unindo-se para encontrar o caminho mais fácil em direcção ao mar sonhado - desde que antes se não tenham evaporado, ou terminado numa raiz que as sorve para transformar em verde-vida.

gotas que caem como gatos que ronronam.

senti falta de chuva de Outono, como se o sentimento ténue de sentir que as estações do ano tinham encontrado de novo o seu lugar próprio no calendário me fizesse falta para me sentir vivo.

- está mesmo com má cara - disse-me alguém para quem trabalho e que me avistou na breve passagem pelo serviço antes de regressar ao refúgio imposto por mais um dos já demasiados episódios de idas a médicos que resultam piores que a razão que me levou a eles... e não vale a pena pensar nos erros dos outros se não há forma de os corrigir, a não ser para melhorar o que se sente.

...e a má cara que aparentemente tenho serve talvez para acreditar que ainda virá uma nova época de boa cara, pois se as estações reencontram o seu caminho no ciclo da Natureza, também os meus humores seguirão uma rotina kármica ou cósmica em ciclos que se alternem.

o prazer do aconchego do sol na pele não é incompatível com o conforto acrescido das mantas na noite fresca e embalada pela chuva. cada prazer e conforto na altura adequada.

...e vou dar novo fim à escrita, desta vez após este parágrafo bloguísico que interrompeu um final mais permanente que não consegui suportar...

mudar de linha, será o que se fará a cada nova postagem, desta vez sem mais vontade que a de condensar apenas duas formas de estar neste espaço, com ironia e com poesia. já confundo, afinal, o que aqui (no blogue) escrevo com o que aqui (no peito) sinto.

reservo as coisas elaboradas, cáusticas, vulgares, para outras paragens onde as minhas letras se reúnam como aqui, mas se não sintam como aqui.

...aqui....

aqui, apenas se muda de linha, apenas se muda de postagem, apenas se muda de vida.

...e porque não, se todo o mundo é composto de mudança? às cinco da manhã, ainda o dia é uma criança.